O Livro do Desassossego: Uma prateleira de frascos vazios
Caio Gagliardi (*)

Sou, em grande parte, a mesma prosa que escrevo.

Fernando Pessoa,
Livro do Desassossego.

I


Fernando Pessoa publicou apenas doze dos mais de 500 textos que hoje compõem o Livro do Desassossego. Depois de sua morte, esses textos receberam diferentes arrumações. A oficialmente aceita, autorizada pelos herdeiros de Pessoa, e que é possivelmente a de maior sucesso editorial, é a de Richard Zenith.(1) O tradutor de Pessoa para o inglês propôs uma ordenação subjetiva aos fragmentos, e inaugurou, a partir (e por causa) de sua publicação, em 1992, uma polêmica acalorada em torno das três questões fundamentais relativas à edição dos textos: a definição de sua autoria, de um critério para a sua reunião, e de um critério para a sua organização. Vale a pena, por isso, passar em revista as principais edições da obra.(2)

O primeiro conjunto de textos editado como Livro do Desassossego, organizado por Jacinto do Prado Coelho,(3) e que contou com Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha para os trabalhos de recolha e transcrição dos originais, foi organizado segundo uma possível identificação temática(4). A aparente simplicidade dessa escolha veio por terra na edição de António Quadros, que rejeita a definição de manchas temáticas em favor do tom de diário, que seria próprio da obra. O crítico opta por sua divisão em dois volumes, para marcar o que ele considera como fases distintas do autor.(5) Relativamente longe das querelas suscitadas a respeito das edições, Leyla Perrone-Moisés organiza a edição brasileira de 1986.(6) Em 1991, Teresa Sobral Cunha opta por marcar a diferença estilísitca apontada por A. Quadros atribuindo a Vicente Guedes a co-autoria do primeiro volume de sua edição. Os cerca de 450 fragmentos reunidos pela pesquisadora são organizados numa hipotética ordenação cronológica, que por duas ocasiões foi revista e ampliada.(7) Em contraposição às escolhas feitas por S. Cunha, R. Zenith rejeita tanto o critério cronológico de arrumação, quanto a dupla autoria do Livro.

O primeiro desses fragmentos é o sempre citado “Na Floresta do Alheamento”, que saiu na revista Águia, em 1913. Trata-se de um texto de circunscrição histórica, assentado em clichês decadentistas, e cuja atmosfera nevoenta destoa do tom predominante ao conjunto organizado por R. Zenith, melhor se adaptando ao de P. Coelho. Não é simples definir um tema para o Livro, porque não se trata de um “livro” na acepção corrente do termo. Pessoa o deixou como um projeto por fazer, e relegou um trabalho espinhoso a seus organizadores, seja para selecionar, seja para organizar e estabelecer os textos. Os fragmentos, muitas vezes, ou não são assinados, ou trazem indicação ambígua de autoria, estão repletos de marcas de hesitação sobre a escolha de termos e expressões, e a maior parte deles não está datada. Por isso, o que hoje entendemos como Livro do Desassossego é, em parte, obra de seus organizadores; muito provavelmente obra um tanto mais longa do que a que os planos de publicação deixados por Pessoa fazem crer que seria. Para alguns, antes assim: mais recheado e também mais incompleto. Isso porque o Livro tem sido lido como um texto que reflete a organicidade fragmentária e desconexa de seu criador.

É provável que o volume proposto por Zenith não tivesse o mesmo acolhimento que tem tido, caso essa “organização subjetiva”, assumida por ele na introdução, fosse optada na composição da edição princeps. Há um motivo simples para que se pense dessa maneira. Esses textos surgem quando já existem pontos de vista bem assentados sobre Pessoa. A heteronímia já foi absorvida pelo vocabulário crítico, e diferentes abordagens da obra foram testadas. Nesse cenário, uma certa desordem e incompletude, próprias do Livro, podem ser vistas como sinal de organicidade criativa, sem fornecer obstáculo para a sua apreciação(8).

Por outro lado, esse é um julgamento de valor, e, como tal, não está dissociado de um gosto particular de nosso tempo. Kafka, que deixou inconclusa a parte substancial de sua obra, teve uma recepção crítica em geral muito elogiosa, mas que, não raro, deplorou no início a falta de capítulos intermediários nos seus três romances. No prefácio à edição argentina d’A Metamorfose, J. L. Borges chama a atenção para esse aspecto da fortuna crítica kafkiana e para as lacunas de sua obra:

Tenho para mim que essa queixa indica um desconhecimento essencial da arte de Kafka. O pathos desses “inconclusos” romances nasce precisamente do número infinito de obstáculos que detêm e voltam a deter seus heróis idênticos. Franz Kafka não os terminou, porque o primordial era que fossem intermináveis.(9)

O Livro do Desassossego é um livro interminável. Para além do exemplo de Kafka, o que ele nos requer é o reconhecimento de uma inversão de valores. O texto antigo que nos chega “inacabado” impõe uma leitura até certo ponto concessiva, que prescinde, por motivos circunstanciais, da noção aristotélica de unidade. “Felizes, diz “Soares”, os que sofrem com unidade! Aqueles a quem a angústia altera mas não divide, que crêem, ainda que na descrença, e podem sentar-se ao sol sem pensamento reservado.”(10) Curioso notar que a Poética, de Aristóteles, como a Eneida, de Virgílio, são exemplos de grandes textos do mundo clássico que chegaram até nós como obras inacabadas, que apenas conhecemos em parte, ao passo que algumas das obras mais significativas da literatura moderna já nascem inacabadas. É dessa forma que o Livro do Desassossego se afirma atualmente.

Não tanto pelo caráter desconexo, mas pela natureza variada dos fragmentos que o compõem, definir sobre o que versa o Livro do Desassossego não é tarefa simples. Nos planos de publicação deixados por Pessoa, ele foi se metamorfoseando em vários livros e diferentes autores, mas se pode dizer com segurança que se sobressai o tom melancólico, de um desalento iniludível, em passagens que tratam da impossibilidade de descansar a alma e o intelecto, de regressar a um lugar e a um tempo em que seja possível, como num retorno ideal a si mesmo, se sentir abrigado de qualquer inquietação. O Livro é essa impossibilidade, e uma enorme fadiga dela. O sonho, muito mais do que solução à inadaptação ao mundo real, se apresenta como a transfiguração de paisagens reais em oníricas, como a introspectivação do mundo exterior e sua submissão às reminiscências, às sensações e à consciência. Não é o sonho freudiano, descrito como um processo mental inconsciente enquanto dormimos, mas um quase sinônimo da imaginação: Soares sonha acordado, transfigura as paisagens num mundo próprio, em que se pode sentir em excesso, sem, entretanto, conseguir driblar o tédio existencial do homem comum.

Mas quem é esse sujeito que sonha e se sente como eterno estrangeiro em sua própria pátria? Os textos do Livro são assinados primeiramente como “Fernando Pessoa” e, em seguida, como “Vicente Guedes”(11). Essa indecisão inicial, que culminou no nome de Bernardo Soares, não impediu que parte significativa da crítica endossasse a noção de autoria fictícia dos textos, e reforçasse a idéia de que Pessoa teria criado, dessa vez, o que ele chamou de “semi-heterônimo”. Segundo sua fabulação, Soares também morava num 4o. andar da Baixa, também trabalhava num escritório e teve uma infância parecida com a de Guedes.(12) Pessoa, de fato, não veste propriamente uma máscara quando conta essa estória. Mas a explicação para a modalização “semi-heterônimo” recai inevitavelmente num psicologismo precário, que reduz a uma única personalidade as várias facetas do indivíduo biografizável, da consciência auto-psicanalizável, do criador da mitologia heteronímica, do tradutor e do autor dos textos em prosa teórica e narrativa, de “Mensagem”, da peça “O Marinheiro”, do “Fausto”, dos poemas do “Cancioneiro” (do poeta paúlico, do poeta interseccionista, do poeta das quadras populares) e dos poemas em inglês e francês. A despeito dessa multiplicidade de estilos e estatutos, que por certo justificaria outros heterônimos, Bernardo Soares seria o “mesmo Pessoa”, apenas sonolento e escrevendo exclusivamente em prosa. Bernardo Soares seria menos afetivo e também menos dotado de capacidade de raciocínio que Pessoa.(13) A fragilidade dessa definição fornece a pista para uma outra leitura.


II


Como sabemos, Fernando Pessoa quis fazer crer que o Livro do Desassossego fosse o diário, o caderno de notas de um empregado de escritório em Lisboa; um empregado como ele, Pessoa. O patetismo da crônica do cotidiano não vai muito além, no entanto, das ordens do patrão Vasques e de uma ou outra cena no escritório do 4o. andar da Rua dos Douradores. Predomina no Livro a introspecção autoconsciente e desalentadora que marca sobretudo os poemas finais assinados como “Álvaro de Campos”. Poemas como “Barrow-on-Furnes”, “Pecado Original”, “Depus a máscara e vi-me ao espelho”, “Datilografia” e “Magnificat” guardam a nostalgia das grandes odes, e, através de um mergulho em temas como o tédio, a náusea, a angústia e a saudade da infância, permitem assistir à desistência dos planos sensacionistas e metafísicos. Esse é também o momento em que os poemas assinados como “Álvaro de Campos” mais se aproximam dos assinados como ortônimo.(14)

Fernando Pessoa chegou efetivamente a atribuir um trecho do Livro, na verdade o primeiro documento do espólio, a Álvaro de Campos. Ele traz a indicação “A. de C. (?) ou L. do D. (ou outra coisa qualquer)”.(15) Vem a propósito recuperar um trecho do Livro que, embora longo, remete-nos, sem deixar espaço para dúvidas, ao poema “Tabacaria”, assinado como “Campos”:

O velho sem interesse das polainas sujas que cruzava freqüentemente comigo às nove e meia da manhã? O cauteleiro coxo que me maçava inutilmente? O velhote redondo e corado do charuto à porta da tabacaria? O dono pálido da tabacaria? O que é feito de todos eles, que, porque os vi e os tornei a ver, foram parte da minha vida? Amanhã também eu me sumirei da Rua da Prata, da Rua dos Douradores, da Rua dos Fanqueiros. Amanhã também eu — a alma que sente e pensa, o universo que sou para mim — sim, amanhã eu também serei o que deixou de passar nestas ruas, o que outros vagamente evocarão com um “o que será dele?”. E tudo quanto faço, tudo quanto sinto, tudo quanto vivo, não será mais que um transeunte a menos na quotidianidade de ruas de uma cidade qualquer.(16)

Em outro trecho do Livro, Pessoa afirma: “Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada.”(17) Não é difícil ler o trecho como uma versão para o início de “Tabacaria”: “Não sou nada. / Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. / À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” A exemplo desses textos, muitos outros nos deixam com a impressão de que o Livro do Desassossego fornece ora a glosa ora o rascunho, ora o eco ora uma versão; para parte significativa dos poemas, independentemente da assinatura que os acompanha. Examinemos isso com um pouco mais de especificidade.

Os poemas assinados “Álvaro de Campos” rompem com a distinção comumente aceita entre prosa e poesia. É sabido que os versos esdrúxulos que Pessoa praticava até o início da década de vinte deixaram intelectuais da envergadura de José Régio de cabelos em pé. Isso porque, além da falta de medida, nesses versos a linguagem coloquial vem associada a termos abstratos de sentido metafísico (“mistério”, “indefinido” e “infinito”, por exemplo), e a realidade moral vinculada à concreta. Pessoa experimenta com sucesso elementos tradicionalmente considerados imicíveis em poesia; prática essa, de resto, muito em voga na poesia de vanguarda (cubista e futurista), mas que conservava o frescor em Portugal. Aqui, aparentemente, o pensamento tem livre curso na linguagem, que é repleta de exclamações e auto-indagações. No início, a escrita “Campos” é torrencial, irritadiça e delirante. As palavras se encadeiam numa enumeração aparentemente caótica, em períodos que fazem faltar o fôlego, recheados de aliterações, ecos, gradações e anáforas. A linguagem é veloz e com grande pendor oratório. A primeira fase de Campos lembra a poesia de Whitman, em parte a de Apollinaire e, mais do que a poesia, os manifestos de Marinetti. A linguagem serve de exaltação da energia, da velocidade, da força e do mundo mecanizado (“Ah, poder exprimir-me como todo motor se exprime”(18)). A esse respeito, e ao contrário do que afirma Eduardo Lourenço num ensaio sobre o Livro, nem mesmo “a textualidade específica e estritamente modernista”,(19) típica das grandes odes de Campos, ficou de fora. Poemas como “Ode Triunfal”, “Ode Marítima”, “Dois Excertos de Odes”, “Saudação a Walt Whitman” e “Passagem das Horas” são exemplos de uma vitalidade transbordante, de um eu lírico dionisíaco que quer ser tudo e de todas as maneiras, e que se anula a si mesmo para tanto. Chega-se a uma impressão de embriaguez da consciência através de um estilo poético eminentemente substantivo, de verbos no infinitivo e particípio, e cuja seriação exemplificativa revela, por meio do ritmo frasal, a ânsia incontida e a fome de sensações do sujeito. Ela não é a tônica do Livro, embora mais de uma passagem sua seja composta nessa linguagem, que lembra o lirismo violento e de fôlego de “Leaves of Grass(20).

Cessar, ser incógnito e externo, movimento de ramos em áleas afastadas, tênue cair de folhas, conhecido no som mais que na queda, mar alto fino dos repuxos ao longe, e todo o indefinido dos parques na noite, perdidos entre emaranhamentos contínuos, labirintos naturais da treva!... Cessar, acabar finalmente, mas com uma sobrevivência translata, ser a página de um livro, a madeixa de um cabelo solto, o oscilar da trepadeira ao pé da janela entreaberta, os passos sem importância no cascalho fino do carroceiro à beira matutina do caminho... O absurdo, a confusão, o apagamento — tudo que não fosse a vida...(21)

Essa interação extensiva do sujeito sensacionista com o mundo externo e sua conseqüente deformação onírica tem como correspondência estilística a seriação exemplificativa, que em certos momentos chega à minúcia, como em “Passagem das Horas”. Se há momentos em que “Soares” repete essa técnica, há outros em que ratifica a intenção de ser ubíquo, de poder estar em tudo e experimentar ser todos: “Criar dentro de mim um estado com uma política, com partidos e revoluções, e ser eu isso tudo, ser eu Deus no panteísmo real desse povo-eu, essência e ação dos seus corpos, das suas almas, da terra que pisam e dos atos que fazem. Ser tudo, ser eles e não eles.”(22) Em outros momentos, parece oferecer respostas ao “Campos” das máquinas e da velocidade: “Para sentir a delícia e o terror da velocidade não preciso de automóveis velozes nem de comboios expressos. Basta-me um carro elétrico e a espantosa faculdade de abstração que tenho e cultivo.”(23) Em geral, os críticos identificam o ano de 1916 como sendo o ponto de arrefecimento desse estilo.

A partir de então passam a predominar nas “poesias de Álvaro de Campos” os períodos curtos e as frases nominais, de tom blasé, já sem o fôlego juvenil. É um estilo diferente, menos colorido, mais escuro. A temática é a do tédio, de um sujeito abúlico que adia tudo: “Um tédio, como diz “Soares”, que inclui a antecipação só de mais tédio; a pena já de amanhã ter pena de ter tido pena hoje...”(24) O sujeito desses textos prefere o sono, e o sonho, como escape do mundo material, que antes enaltecia euforicamente: “Duas coisas só me deu o Destino: uns livros de contabilidade e o dom de sonhar.”(25) Ou então:

Se eu um dia pudesse adquirir um rasgo tão grande de expressão, que concentrasse toda a arte em mim, escreveria uma apoteose do sono. Não sei de prazer maior, em toda a minha vida, que poder dormir. O apagamento integral da vida e da alma, o afastamento completo de tudo quanto é seres e gente, e noite sem memória nem ilusão, o não ser passado nem futuro... (26)

O sentido da poesia-Campos é do auto-aniquilamento, que, afinal, já se manifestava na fase futurista, quando a exaltação da força e da violência se transmuda em gozo masoquista na maior parte dos poemas. Na “Ode Marítima”, por exemplo, o poeta divaga: “Ser o meu corpo passivo a mulher-todas-as-mulheres / Que foram violadas, mortas, feridas, rasgadas p’los piratas!”. Mas na fase final de sua poesia o que vemos se manifestar de forma mais intensa é já a passagem de, como disse um de seus críticos mais agudos, um super-eu para um não-eu(27). A prosa do Livro é rica em exemplos dessa supressão do indivíduo que, cultivando uma ironia trágica, inveja os outros por não serem ele: “De tanto recompor-me destruí-me. De tanto pensar-me, sou já meus pensamentos mas não eu.”(28) Essa virada, acompanhada da diversificação de estilo, e associada a uma fina ironia que demole todas as soluções imediatistas a que o poeta se propõe, faz de Campos, para a maior parte dos leitores de Pessoa, o mais fecundo dos heterônimos. Como se diz no Livro: “A ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente.”(29)


III


No Livro do Desassossego, Pessoa escreve: “Será Deus uma criança muito grande? O universo inteiro não parece uma brincadeira, uma partida de criança travessa?”(30) O poema mais conhecido de Pessoa sob a assinatura “Alberto Caeiro” é provavelmente o oitavo do “Guardador de Rebanhos”, sobre o deus-menino que ensina a ver sem idealismo. Trata-se de um poema-chave para Pessoa enfraquecer a crença na fé cristã, que é própria da infância fictícia do ortônimo, e preparar a passagem para o paganismo que caracteriza esse conjunto de poemas. Deus é agora deus, não mais o Jesus idealista da doutrina cristã, mas aquele que ao invés de ver nas coisas outras coisas, não vê senão elas mesmas: “... os seres não cantam nada. / Se cantassem seriam cantores. / Os seres existem e mais nada. / E por isso se chamam seres.” No Livro, Pessoa, em discordância com a maior parte do que escreve ali, afirma: “Quando quero pensar, vejo.”(31) O pensamento analítico abstratiza o objeto, por isso, na concepção atribuída a Caeiro, toda experiência sensorial é sempre inaugural, e exterior a si mesma. No Livro, lemos: “Que os Deuses todos me conservem, até a hora em que cesse este meu aspecto de mim, a noção clara e solar da realidade externa...”(32) A felicidade é uma vontade de ser Caeiro, e uma impossibilidade como tal: “O peso de sentir! O peso de ter que sentir!”(33) O pensamento e a emoção impedem esse processo de ver claramente, como se o iludissem. “Soares” revela a consciência disso: “Parece funda a água porque é falsa de suja.”(34)

De “Caeiro”, “Soares” tem o deambulismo, a tendência de se deixar absorver pela realidade, e pelas impressões visuais que vai colhendo. Mas enquanto o mundo de Caeiro é hipoteticamente diáfano, sem fantasmas, o seu mundo é cheio de sombras, mistérios e inquietações: “Mais que uma vez, ao passear lentamente pelas ruas da tarde, me tem batido na alma, como uma violência súbita e estonteante, a estranhíssima presença da organização das coisas.”(35) Apesar disso, é espantosamente no Livro que Pessoa afirma: “Não querer compreender, não analisar... Ver-se como à natureza; olhar para as suas impressões como para um campo — a sabedoria é isto.”(36) Em momentos como esse, “Soares” parece, como o sujeito dos poemas-Caeiro, desejar apenas a natureza rural em si mesma, sem que, para tanto, se apresente alegoricamente como pastor: “Vejo, e já é muito.”(37) A objetualidade de “Caeiro”, concebida pela anulação do espírito e pela exterioridade completa da alma, encontra eco nas palavras de “Soares”: “Poder reencarnar numa pedra, num grão de pó — chora-me na alma este desejo”.(38) E esse é um desejo que se manifesta como irrealização no próprio “Guardador de Rebanhos”, porque ali também a ascese da ingenuidade e a possibilidade de se esvaziar do tempo e da cultura são intenções do poeta que, também nos textos de confissão íntima em prosa, se julga doente. Esse poeta veste a máscara “Caeiro” como se tomasse um antídoto contra a degeneração da alma, tal como lhe sugerem as leituras que faz de Max Nordau.(39) Esta seria uma explicação biográfica, não fosse ela uma das linhas temáticas presentes no Livro: “A acuidade das minhas sensações chega a ser uma doença que me é alheia.”(40) A estratégia heteronímica, a todo tempo referida no Livro, é uma tentativa de curar essa “doença”; também ela, ao contrário do que pensava G. Simões,(41) fictícia, textual, como todas as que Pessoa teve. Isso permite (re)afirmar que Caeiro é um ideal de felicidade na prosa “Soares”:

Quem me dera, neste momento o sinto, ser alguém que pudesse ver isto como se não tivesse com ele mais relação que o vê-lo — contemplar tudo como se fora o viajante adulto chegado hoje à superfície da vida! Não ter aprendido, da nascença em diante, a dar sentidos dados a estas coisas todas, poder vê-las na expressão que têm separadamente da expressão que lhes foi imposta. Poder conhecer na varina a sua realidade humana independentemente de se lhe chamar varina, e de saber que existe e que vende. Ver apocalipticamente, como revelações do Mistério, mas diretamente como florações da Realidade.(42)

Em “Caeiro” e “Campos”, Pessoa busca em comum uma escrita de ênfase persuasiva. Ao invés, no entanto, de se pensar na poesia assinada por “eles”, que são versilibristas, e que permitem, também por isso, visualizar semelhanças de teor lingüístico (mesmo as menos prováveis) com o texto do Livro, é mais desafiador pensar em como viabilizar uma leitura especular do Livro com as “Odes de Ricardo Reis”. Nelas, Pessoa não apenas aposta na métrica, como é intencionalmente datado, anacrônico. Seu vocabulário é erudito, cultista, e repleto de arcaísmos, como “per” ao invés de “por”. O sentido das palavras é próximo do etimológico, e o uso constante de hipérbatos força uma aproximação com o poder de síntese do latim. As frases são curtas e extremamente densas, o que, por vezes, atribui certa aspereza ao poemas. A menos que se pense nos riscos de uma prosa envelhecida para o Livro, que tentasse reproduzir as peripécias sintáticas de um Cícero ou Sêneca, não há, efetivamente, como conceber em prosa esse tipo de linguagem. E, de fato, a aproximação que se poderá estabelecer entre os poemas (o exemplo de Reis é apenas o mais contundente entre os demais) e a prosa-Soares deve respeitar a diferença de gêneros. Nas “Odes de Ricardo Reis”, o ideal de poesia é o de uma sabedoria horaciana, de mera contemplação sem riscos, ou sem maiores esforços; uma ataraxia, afinal, que é também comum à prosa-Soares: “Resume-se tudo enfim em procurar sentir o tédio de modo que ele não doa.”(43) Parte importante dos fragmentos do Livro seguem a mesma orientação: “A renúncia é a libertação.”(44) Essa renúncia de viver, em Reis, tem como decorrência a contemplação estética do mundo. Eis o que está dito no Livro: “Não sabendo o que é a vida religiosa, nem podendo sabê-lo, porque se não tem fé com a razão; não podendo ter fé na abstração do homem, nem sabendo mesmo que fazer dela perante nós, ficava-nos, como motivo de ter alma, a contemplação estética da vida.”(45) Trata-se de uma fruição da natureza que se distancia do modo como faz Caeiro (que não quer exatamente fruir, mas apenas ver), por se dar de modo bastante consciente e ponderado. No mundo-Reis, o destino é pautado em mistérios, ou seja, numa causalidade desconhecida, sempre referida como obra de uma divindade. Esse mundo encontra espaço na prosa do Livro: “Haja ou não deuses, deles somos servos.”(46) A renúncia à vida é uma decisão, a única que resta àquele que não tem por opção adaptar-se. A renúncia resume-se, assim, à contemplação e à consideração estética das coisas. Pessoa provavelmente se referia a Reis quando retrata Soares desse modo: “A quem, como eu, assim, vivendo não sabe ter vida, que resta senão, como a meus poucos pares, a renúncia por modo e a contemplação por destino?”(47) Nesse mundo Reis-Soares, portanto, a sabedoria consiste num cálculo de prevenção, em pesar as atitudes entre a possibilidade de obter prazer e de sentir dor. O Livro repete a mesma idéia: “A vida deve ser, para os melhores, um sonho que se recusa a confrontos.”(48) É ainda sob a assinatura “Soares” que Pessoa afirma que a “única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la.”(49) O estilo das odes é quase um pastiche do clássico, e denuncia uma consciência de poesia que em nada tem a ver com o senso comum, haja vista estar pautada na idéia de fingimento necessário. Um fingimento próprio de quem considera que “...assim, alheios à solenidade de todos os mundos, indiferentes ao divino e desprezadores do humano, entregamo-nos futilmente à sensação sem propósito, cultivada num epicurismo sutilizado, como convém aos nossos nervos cerebrais.”(50) O que “Soares” deplora o tempo todo é o fardo do pensamento, o mesmo fardo que carregam “Pessoa”, “Campos” e contra o qual “Caeiro” se volta. “Reis”, que não se ilude com a possibilidade de suspendê-lo, finge não pensar e esquecer-se de si mesmo: “Mas serenamente / Imita o Olimpo / No teu coração. / Os deuses são deuses / Porque não se pensam.”


IV


A poesia assinada como “Fernando Pessoa” assemelha-se à de “Reis” no cuidado formal. É uma escrita elegante, musical (a mais musical dentre elas) e caracterizada pelo emprego preciso dos termos. Alguns dos mais conhecidos versos do ortônimo, “finge que é dor a dor que deveras sente” e “O mito é o tudo que é nada”, encontram seus pares analíticos na prosa-Soares:

Ah, não é verdade que a vida seja dolorosa, ou que seja doloroso pensar na vida. O que é verdade é que a nossa dor só é séria e grave quando a fingimos tal. Se formos naturais, ela passará assim como veio, esbater-se-á assim como cresceu. Tudo é nada, e a nossa dor nele.(51)

As preocupações e os estilos que caracterizam “Cancioneiro” e “Mensagem” revelam mais de um eu-lírico. “Pessoa ele-mesmo” são muitos estilos, e todos eles, como “Reis”, estão distantes do tumulto e da realidade mecânica e burguesa da civilização moderna. Esse eu-lírico, portanto, infra-textual, se fosse alguém seria aquele que foge das impressões fugazes e do mundo material e circunstancial. O conteúdo imagético dos poemas do “Cancioneiro” é intemporal e simbólico (a “noite”, o “mar”, o “céu”). De início, a sua linguagem é nefelibata e simbolista, do poeta que Pessoa chamou de paúlico. Este fala em prosa no Livro, especialmente nos grandes textos crepusculares:

Os crepúsculos nas cidades antigas, com tradições desconhecidas escritas nas pedras negras dos edifícios pesados; as antemanhãs trêmulas nas campinas alagadas, pantanosas, húmidas como o ar antes do sol; as vielas onde tudo é possível, as arcas pesadas nas salas vetustas; o poço ao fundo da quinta ao luar; a carta datada dos primeiros amores da nossa avó que não conhecemos; o mofo dos quartos onde se arrecada o passado; a espingarda que ninguém hoje sabe usar; a febre nas tardes quentes à janela; ninguém na estrada; o sono com sobressaltos; a moléstia que alastra pelas vinhas; sinos; a mágoa claustral de viver... Hora de bênçãos tuas mãos sutis... A carícia nunca vem, a pedra do anel sangra no quase-escuro... Festas de igreja sem crença na alma: a beleza material dos santos toscos e feios, paixões românticas na idéia de tê-las, a maresia, à noite na estrada, no cais da cidade humedecida pelo arrefecer... (52)

Esse estilo substantivo e serial, algo aparentado da escrita veemente do primeiro Campos, é representativo de um momento inicial da poesia e da prosa do ortônimo. Ele se torna menos visível sobretudo a partir de 1917. Existe, sem dúvida, uma cronologia comum aos textos, e que se impõe à fabulação heteronímica. Sabemos que, no infra-romance heteronímico, a personagem “Ricardo Reis” vem para o Brasil, e por aqui fica sem desfecho, que Pessoa atribui poemas a “Caeiro” depois de ter decretado sua “morte”, e que as vidas literárias, e míticas, de “Campos” e de “Pessoa” só terminam com a morte do próprio Pessoa. As máscaras não se colam ao rosto, como Pessoa quis que fosse. Mas essa constatação não pode explicar os destinos literários. Afinal, por que os poemas são como são? O que nos cabe é procurar enxergar como são.

No “Cancioneiro”, passa a predominar uma linguagem simples e o verso curto (com muitas quadras) e rimado. A simplicidade das palavras é, no entanto, aparente. A linguagem do ortônimo é de uma economia impressionante, de grande densidade e poder sugestivo, que são atingidos com o mínimo de estímulos. Essa concisão chega a seu grau máximo de requinte na poesia. Há uma contenção evidente dos sentimentos, que são ditos com sintaxe clara e associados a temas universais. A poesia do ortônimo engendra, ao contrário do entusiasmo irracional de Campos e do objetivismo exterior de Caeiro, a introspecção reflexiva. Em Pessoa, como em Soares, ela é desalentadora, autopiedosa: “Pedi tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou.”(53) Chega ao ponto do “eu” perder a identidade, tornar-se um impasse entre vontades de ordem diversa, e instaurar-se constantemente em inauditos jogos verbais de contrários. Essa é uma de suas características mais marcantes. Na prosa-Soares, Pessoa repete esses mesmos jogos verbais, como em “Maravilho-me do que não consegui ver”, ou, “No mais íntimo do que pensei não fui eu.”(54) Estabelecem-se profundas dialéticas, como entre sentir e pensar: Pessoa, num dos melhores poemas do “Cancioneiro”, afirma que “O que em mim sente ‘stá pensando.” No Livro, analogamente, diz que “Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento.”(55) Essa assertiva é típica da meditação introvertida do ortônimo, e se amplifica para uma espécie de poética que é também corrente no Livro: “Viver essa vida longe das emoções e dos pensamentos, só no pensamento das emoções e na emoção dos pensamentos.”(56) Do mesmo modo, também a dialética entre sinceridade e fingimento se manifesta em Pessoa ele-mesmo (“Tenho dito tantas vezes / Quanto sofro sem sofrer / Que me canso dos revezes / Que sonho só p’ra os não ter.”) e em Soares (“E há muito sentimento sincero, muita emoção legítima que tiro de não estar sentindo.”(57)).

Essa especularidade entre os textos talvez se resuma na semelhança que existe entre o poema sobre a ceifeira, a que fiz menção acima, e que é considerado um marco da concisão especulativa do existencialismo e da metalinguagem que caracterizam a poesia ortônima, e um trecho curto do Livro(58). Lembremos que o poema inicia-se assim:

Ela canta, pobre ceifeira
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

Não é sem se ouvir o eco desses versos que se lê este fragmento do Livro: “Dobravam a curva do caminho e eram raparigas. Vinham cantando pela estrada, e o som das suas vozes era felizes [sic]. Elas não sei o que seriam. Escutei-as um tempo de longe, sem sentimento próprio.”

No poema, a aparente alegria do eu-lírico é também tristeza:

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida
E canta como se tivesse
Mais razões p’ra cantar que a vida

No Livro, o sujeito da escrita acompanha essa transformação: “Uma amargura por elas sentiu-me o coração.”

A tristeza do ortônimo é autopiedade por não poder ter a inconsciência daquela que canta sem motivo aparente:

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso!

E também “Soares” tem pena de si ao se questionar sobre o motivo da amargura que sente: “Pelo futuro delas? Pela inconsciência delas? Não diretamente por elas — ou, quem sabe? Talvez apenas por mim.”

Se o poema sobre a ceifeira é um dos textos que melhor condensam a dialética nuclear do ortônimo, o seguinte trecho do Livro talvez seja aquele que sintetize com maior riqueza o que podemos chamar de “poética” na obra de Pessoa. Revela-se aqui a proximidade real e latente entre “Pessoa” e “Campos”, duas vozes que ressoam por todo o Livro, e que, em suas páginas, se misturam sob a assinatura “Soares”:

Sentir tudo de todas as maneiras; saber pensar com as emoções e sentir com o pensamento; não desejar muito senão com a imaginação; sofrer com coquetterie; ver claro para escrever justo; conhecer-se com fingimento e tática, naturalizar-se diferente e com todos os documentos; em suma, usar por dentro todas as sensações, descascando-as até Deus...(59)

Essa profusão de ecos, esboços, recortes, extensões, repetições, variações e respostas nos leva a pensar que esse Livro, espaço esquivo às descrições fixas de nossos outros livros, é um modo de realização, em que a diversidade parece estar em harmonia justamente pela ausência de qualquer força externa que a impessa de se afirmar como diversidade. Considere-se que, enquanto componente de uma obra, é para muito além da mistificação em torno da figura de “Bernando Soares” que a prosa do Livro do Desassossego reflete a dinâmica das linguagens e idéias que se atribui como característica da obra pessoana. Como seu grande espelho, a prosa do Livro demonstra, para além da fabulação artificial dos nomes e das biografias, que essa diversidade é, afinal, um movimento próprio da escrita de Pessoa.

Acresça-se a isso que seu pathos surge de um desassossego representativo da impossibilidade de fixação de uma personalidade, de uma unidade de estilo. Não se depreenderá dessa inquietação uma imagem individual capaz de exceder o homem transeunte que é o narrador Soares. A força de sua personalidade, da personalidade da obra, está justamente na diluição de uma coerência possível, de uma visão de mundo cristalizada, que cede à possibilidade contínua de reunião e rearranjo desses textos. A escrita “Soares” é, por isso, a mais diversificada entre as que Pessoa experimentou, porque é todas as demais e ao mesmo tempo nenhuma delas. Esses possíveis livros do desassossego deixam-nos privilegiadamente diante de uma matéria amorfa, da qual se depreende, mais propriamente do que um autor, ou do que um livro, um espaço da escrita, que se entrega ao sabor das variantes de estilo, e que se afirma, do alto de seu estado desconexo e latente, como o testemunho apócrifo da própria obra.


NOTAS


(*)Doutorando em Teoria e História Literária – UNICAMP.

(1) Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego. Intro. e org. Richard Zenith. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

(2) Há alguns textos fundamentais sobre o debate em torno das edições do Livro. Além daqueles que constituem os próprios termos desse debate, menciono o artigo de interferência de Sidónio Paes, “Um leitor desassossegado”. Jornal de Letras. Lisboa, 28/07/99. E "Os Vários Livros do Desassossego". Do Leitura. 7/8. São Paulo: Imprensa Oficial de São Paulo. Julho e agosto de 2000, de Haquira Osakabe, que trata a questão com rigor descritivo.

(3) Pessoa, Fernando. Livro do Desasssossego. Recolha e transcrição dos textos: Maria Aliete Galhoz, Teresa Sobral Cunha. Prefácio e organização Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática, 1982.

(4) Outra característica dessa edição é ter deixado de fora os muitos fragmentos atribuídos a Vicente Guedes.

(5) Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego. Intro e org. António Quadros. Lisbboa: Europa-América, 1986.

(6) Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego. Intro e org. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Brasiliense, 1986.

(7) Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego. Intro. e org. Teresa Sobral Cunha. Lisboa: Presença, 1991. Livro do Desassossego. Campinas: Ed. Unicamp, 1994. Livro do Desassossego. (vol. I) Lisboa: Ed. Relógio d’ Água, 1997.

(8) O que não significa, como se nota, que a edição inglesa (lançada no Brasil pela Companhia das Letras) esteja livre de críticas, ou que não pudesse estar melhor organizada. Sidónio Paes, por exemplo, enxerga “promiscuidade estilística” no ”desarrumamento” do volume. Op. Cit. P. 15. Já Haquira Osakabe chama a atenção para a fragilidade dos argumentos na definição de um único autor para o Livro: “A composição de um outro Livro (anterior àquele atribuível a Bernardo Soares) fica assim perfeitamente justificável nos próprios argumentos de Richard Zenith; bastaria admtir que, além daqueles de atribuição explícita, outros textos do mesmo período, aproximáveis em estilo e conteúdo, autorizariam a composição de um primeiro Livro do Desassossego, base segura das transformações que o investigador indicou.” Op. cit.

(9) “Franz Kafka – A Metamorfose”. In. Borges, J. L. Obra Completa. São Paulo: 1999 Pp.113-114.

(10) Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego. Org. Richard Zenith. Op. Cit. P.245. Usarei a edição organizada por R. Zenith para as citações. Farei menção a ela como Livro.

(11) Considerado por Teresa Sobral Cunha como co-autor do Livro.

(12) Livro. P. 24.

(13) “Sou eu menos o raciocínio e a afetividade”. In Páginas de Doutrina Estética. Seleção, pref. e notas por Jorge de Sena. Lisboa: Ed. Inquérito, 1946. P. 268.

(14) Teresa Rita Lopes associa essa “fase” de Campos aos cinco últimos anos de vida de Pessoa (1931-1935). Cf. Pessoa, Fernando. Livro de Versos: Álvaro de Campos. Intro. e org: Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1993.

(15) Livro. P. 14. O apontamento é de R. Zenith. Trata-se do Trecho 230, pp. 229-230.

(16) Ibid. P. 481.

(17) Ibid. P. 185.

(18) In Pessoa, Fernando. Obra Poética. Org., intro. e notas por Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Companhia Aguilar Editora, 1965. Todas as citações da poesia de Pessoa são retiradas dessa obra.

(19) “O Livro do Desassossego” Texto Suicida?”. In Lourenço, Eduardo. Fernando Rei da Nossa Baviera. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1993. P. 89.

(20) Cf. Whitman, Walt. Selected Poems. London: Penguin Books, 1996.

(21) Livro. P. 67.

(22) Ibid. P. 172.

(23) Ibid. P. 75.

(24) Ibid. P. 56.

(25) Ibid. P. 185.

(26) Ibid. P. 174.

(27) “Fernando Pessoa”. In Lopes, Óscar. Entre Fialho e Nemésio - Estudos de Literatura Portuguesa Contemporânea. Vol. 2. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1987.

(28) Livro. P. 201.

(29) Ibid. P. 165.

(30) Ibid. P. 423.

(31) Ibid. P. 92.

(32) Ibid. P. 104.

(33) Ibid. P. 155.

(34) Ibid. P. 438.

(35) Ibid. P. 249.

(36) Ibid. P. 248.

(37) Ibid. P. 328.

(38) Ibid. P. 361.

(39) Cf. Nordau, Max. Degeneration. Lincoln and London: University of Nebraska Press, 1993.

(40) Livro. P. 411.

(41) Refiro-me a sua leitura psicologizante em Simões, J. Gaspar. Vida e Obra de Fernando Pessoa – história de uma geração. 6a. Edição, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1991.

(42) Livro. P. 404.

(43) Ibid. P. 362.

(44) Ibid. P. 144.

(45) Ibid. P. 45.

(46) Ibid. P. 59.

(47) Ibid. P. 45.

(48) Ibid. P. 177.

(49) Ibid. P. 451.

(50) Ibid. P. 45.

(51) Ibid. P. 378.

(52) Ibid. P. 477.

(53) Ibid. P. 50.

(54) Ibid. P. 73.

(55) Ibid. P. 103.

(56) Ibid. P. 79.

(57) Ibid. P. 170.

(58) Ibid. P. 63.

(59) Ibid. P. 151


BIBLIOGRAFIA:


Borges, J. L. “Franz Kafka – A Metamorfose”. Obra Completa. São Paulo: Ed. Globo, 1999.

Bréchon, Robert. Estranho Estrangeiro – Uma biografia. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 1996.

Lourenço, Eduardo. “O Livro do Desassossego: Texto Suicida?” In Fernando Rei da Nossa Baviera. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1993.

Lopes, Óscar. “Fernando Pessoa”. In Entre Fialho e Nemésio - Estudos de Literatura Portuguesa Contemporânea. Vol. 2. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1987.

Nordau, Max. Degeneration. Lincoln and London: University of Nebraska Press, 1993.

Pessoa, Fernando. Livro de Versos: Álvaro de Campos. Intro. e org: Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1993.

Pessoa, Fernando. Livro do Desasssossego / por Bernardo Soares. Recolha e transcr. dos textos: Maria Aliete Galhoz, Teresa Sobral Cunha. Pref. e org. de Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática, 1982.

Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego / por Bernardo Soares. Intro e org. Teresa Sobral Cunha. Lisboa: Presenca, 1990.

Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego / por Bernardo Soares. Intro e org. Richard Zenith. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

Pessoa, Fernando. Obra Poética. Org., intro. e notas por Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Companhia Aguilar Editora, 1965.

Pessoa, Fernando. Páginas de Doutrina Estética. Seleção, pref. e notas por Jorge de Sena. Lisboa: Ed. Inquérito, 1946. P. 268.

Simões, J. Gaspar. Vida e Obra de Fernando Pessoa – história de uma geração. 6a. Edição, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1991.

Whitman, Walt. Selected Poems. London: Penguin Books, 1996.


ABSTRACT:

The more than 500 fragments in prose which constitute the book Livro do Desassossego are the converging point of the most conspicuous styles and thematic lines in the poetic work of Fernando Pessoa. Once accepted this hypothesis, of a book that mirrors his other works, it is possible to state that, contrary to what Pessoa himself affirmed, “Bernardo Soares” is not a transparent mask (because it does not reveal Fernando Pessoa as an individual), but a mask which combines all the others without being any of them. Unfinished and, more precisely, impossible to finish, the Livro escapes all formal framings and reaches well beyond the structural planning of its author. For this reason, it reveals the most dynamic stage of his writing. It is a work that renounces, as a matter of principle and method, the poet’s personal testimony and his heteronomic play, focusing on the Pessoa’s text. The heteronomy is treated as a language construction, as style production, and as effects of meaning. For the fictitious names and their biographies, only a peripheral interest is reserved.


KEY-WORDS: Pessoa, Fernando; Livro do Desassossego; Soares, Bernardo.


RESUMO:

Os mais de 500 fragmentos em prosa que compõem o Livro do Desassossego são o ponto de convergência dos estilos e das linhas temáticas que se destacam na obra poética de Fernando Pessoa. Uma vez demonstrada, essa hipótese de leitura especular do Livro com o resto da obra permite afirmar que, ao contrário do que Pessoa asseverou, “Bernardo Soares” não é uma máscara transparente, porque não revela o indivíduo Fernando Pessoa, mas uma máscara que justapõe todas as outras sem ser nenhuma delas. Inacabado e, mais precisamente, interminável, o Livro escapa aos enredamentos formais e ultrapassa em muito os planos de organização de seu autor. Por isso, revela o estágio mais dinâmico dessa escrita. Este trabalho abdica, por princípio e método, dos testemunhos do poeta e do jogo heteronímico para considerar o texto de Pessoa. A heteronímia é tratada como construção de linguagem, produção de estilo, e efeitos de sentido. Aos nomes fictícios e às respectivas biografias que os circundam, é reservado um interesse acessório.


PALAVRAS-CHAVE:
Pessoa, Fernando; Livro do Desassossego; Soares, Bernardo.

Home - Crítica & Companhia