New Journalism: A Experiência literária no jornalismo

Allan de Abreu(*)

Ao longo da história contemporânea, foram muitas as tentativas de estreitar as relações do jornalismo com a literatura. Muitas delas fracassaram pelo excesso de literatices, pela excessiva estetização do texto, e o resultado dessas experiências era algo indefinido: nem jornalismo, nem literatura(1). Outras, porém, foram bem sucedidas, das quais a mais famosa foi o new journalism, ounovo jornalismo”, cujas técnicas, mesmo não sendo mais utilizadas com tanta freqüência atualmente, ainda despertam atenção e curiosidade.

O new journalism foi criado pelo escritor e jornalista norte-americano Truman Capote(2) em 1956, quando da publicação da reportagem-perfil do ator Marlon Brando pela revista New Yorker, intitulada “O duque em seus domínios”. A “perfeita tradução da reportagem como gênero literário” seria a essência dessa novaescola”. (Novo Jornalismo, 2000) O objetivo era dar um enfoque mais imaginativo e lírico à reportagem, permitindo ao jornalista inserir-se na narrativa sem alterar a realidade da notícia sobre a qual trabalhava. Seus praticantes postularam que o jornalista não seria um mero observador e transmissor dos fatos, mas uma verdadeira personagem nas situações que descreve, “um romancista da realidade que conta histórias”. (Martins, 2000) Assim, saía de cena, ao menos momentaneamente, o reporte-técnico, que escrevia a notícia viciosamente, seguindo os padrões dos manuais de redação, dando lugar ao “repórter-escritor”, aquele que explora a sensibilidade do estilo próprio ao transmitir a notícia.

O new journalism está ligado ao surgimento da contracultura nos Estados Unidos. Para Mendes (2000), o novo jornalismo testemunhou a presença, na mídia, de expressões como o idealismo racional e a exacerbação poética. No plano da narrativa, o jornalismo adquiriu as feições de um discurso crítico e interventivo social e politicamente, acompanhado da rebeldia contra a obliteração dos sujeitos do discurso vigentes até então na narrativa midiática.

Além disso, com a progressiva queda de vendas dos grandes jornais, devido à concorrência direta com a emergente televisão, algumas regras, códigos e normas gerais da grande imprensa são postos em causa. Segundo Mendes (2000), é curioso constatar que, face à força do discurso televisivo, a imprensa tenha sentido necessidade de regressar a um convívio mais íntimo com a literatura, aproximando-se, novamente, do jornalismo praticado no século XIX e início do século XX. A causa desse retorno seria a proximidade de significação dos conceitosliberdade de imprensa” e “liberdade de opinião”, com a qual se justificou a procura de “novas dramatizações da narrativa noticiosa”: com a maior liberdade para a subjetividade do jornalista, o texto de jornal volta a ser intitulado “texto de autor” e a matéria-prima da notícia se transforma (ou se remodela) em elementos de “intriga de novelas jornalísticas”.

Muitos escritores produziram e ainda produzem alguns textos para jornais: crônicas, artigos ou mesmo algumas reportagens. Foi o caso do inglês Charles Dickens, do americano Hernest Hemingway, do brasileiro Euclides da Cunha, e dos escritores ainda vivos Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez. O estilo de reportagem inaugurado por Capote era algo bastante novo, embora fosse um pioneirismo difícil de ser determinado, pois conferir uma forma literária ao texto jornalístico é uma atitude que encontra adeptos desde muitos séculos atrás. “Talvez o gênero seja tão velho quanto a imprensa”. (Clarke em Novo Jornalismo, 2000) É provável que a maior diferença do jornalismo praticado por aqueles escritores e as reportagens de Capote, Norman Mailer e Tom Wolfe é que estes elaboraram e “padronizaram” um projeto estilístico de unir jornalismo e literatura, como Capote explica no prefácio do livro Os cães ladram:

Era minha opinião que a reportagem poderia ser uma arte tão elevada e requintada quanto qualquer outra forma de prosa — o ensaio, o conto, a novela (...) Minha idéia foi a seguinte: qual o nível mais baixo da arte jornalística, o mais difícil de transformar de uma orelha de porco em uma bolsa de seda? A  “entrevista com astros do cinema, no gênero Silver Screen: por certo nada seria mais difícil de enobrecer do que aquilo! (Capote em Novo Jornalismo, 2000)

Foi então que ele escolheu Marlon Brando para iniciar suas experiências. Naquele mesmo ano, Capote também publica na mesma New Yorker uma reportagem sobre a excursão de uma companhia de teatro americana à União Soviética. O “novo-jornalista” anotava todos os fatos, mas também inventava cenas: descrições acuradas de ações e espaços, personagens reais expressos com a sutilidade do romance, diálogos e observações na primeira pessoa do singular. (Novo Jornalismo, 2000)

Muitas das personagens da reportagem queixaram-se de que Capote estava sendo mais ficcionista que repórter, ao criar cenas e diálogos e atribuir aos personagens pensamentos e ações que não ocorreram. Capote ironiza o fato desse tipo de crítica ainda persistir atualmente. “Soa familiar. Muitas reportagens objetivas de hoje, baseadas em ‘realizou-se ontem oufulano disse’, enfrentam reações iradas das fontes – e nem têm o álibi da linguagem aprimorada”, ironiza. (Novo Jornalismo, 2000)

O new journalism ganhou logo novos adeptos, como Tom Wolfe e Gay Talese. Suas reportagens podiam ser lidas como um conto. Um dos objetivos era retratar a vida subjetiva das personagens. Foi assim que os repórteres-escritores criaram expressões comoradical chic”, cobriram corridas de stock car, descreveram o resfriado de Frank Sinatra e localizaram um presídio feminino com janela para a rua, cujo tema Wolfe abordou em reportagem publicada na revista New York Herald Tribune, em 5 de janeiro de 1964. No lugar do velho e bom lead, o que se lia na abertura da reportagem era uma onomatopéia imitando uma estridente gargalhada: — “Hã- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- há- há- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- há- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha- ha.” (Wolfe em Novo Jornalismo, 2000)

Mas Tom Wolfe não ficou somente na imitação desses autores. Ele também tem o seuquinhão” na mudança radical dos limites da reportagem, como o emprego de uma pontuação diferente para expressar os pensamentos das personagens: vários pontos de exclamação, hífens e vírgulas encadeadas. O objetivo era reproduzir no papel a maneira como as pessoas pensam, que, segundo ele, não é de uma maneira tão lógica e bem formulada como o comumente retratado. Uma outra técnica de Wolfe era o uso do presente histórico, no qual simplesmente se redige um texto de não-ficção no tempo presente, uma característica até hoje empregada nos meios de comunicação. (Wolfe em Mewborn, 1988)

Wolfe aderiu ao new journalism pelo desejo de empregar características da literatura sobre fatos reais, e então observar o que isso trazia de novo para a prática jornalística: “A minha intenção, minha esperança, sempre foi a de penetrar dentro destas pessoas, dentro dos seus sistemas nervosos centrais, e depois apresentar a experiência deles na imprensa, vista de dentro para fora.” (Wolfe em Mewborn, 1988, p. 7) Além disso, o jornalista e escritor exalta o gosto no trato com assuntos reais, longe da ficção.

Eu comecei trabalhando em jornais com a idéia de que se ficasse durante algum tempo e adquirisse um pouco de experiência, depois deixaria esse trabalho e escreveria um romance. Mas, ao invés disso, eu comecei a me excitar com as coisas que estavam sendo feitas no setor de não-ficção como forma literária e isto se tornou a minha grande paixão. (Wolfe em Mewborn, 1988, p. 7)

Wolfe afirma que a grande estratégia do novo jornalismo era obter, no texto, a qualidadeabsorvente” da ficção, fazendo com que o leitor se sentisse realmente inserido na história, embora mantendo-se sempre fiel à verdade. Isto é feito, de acordo com ele, empregando-se quatro estratagemas: o primeiro deles é a “costura” do texto cena a cena, contando a notícia por uma seqüência delas; o segundo é o uso abundante de diálogos reais; o terceiro é o “uso de detalhe de status”: observar e descrever peças de roupa, gestos, o modo como tratam as outras pessoas. “Todas as coisas que indicam onde uma pessoa acha que ela se encaixa na sociedade, ou para onde ela espera ir socialmente”; o quarto estratagema é o uso do ponto de vista, no qual se descreve a cena através de um determinado ângulo. (Wolfe em Mewborn, 1988)

Além disso, os “novos jornalistas também incorporaram muitas técnicas narrativas da literatura realista, como o imediatismo das situações, o realismo concreto das cenas, a emoção, a qualidade de prender o leitor, o diálogo, a descrição e o foco em terceira pessoa (third person point of view). (Medina & Leandro, 1973)

O new journalism espalhou-se rapidamente por todo o mundo. No Brasil, foi aplicado com sucesso na revista Realidade e no Jornal da Tarde dos anos 60, Opinião, Aqui São Paulo, Versus e, mais tarde, na imprensa alternativa, como a seçãoCena Brasileira escrita com verniz literário no semanário Movimento pelo repórter Murilo Carvalho. (Novo Jornalismo, 2000)

Para seus criadores, o new journalism deveria ser tão verídico quanto qualquer reportagem, embora ousasse a busca de uma verdade mais ampla que aquela possível por meio da mera descrição de informações. (Talese em Novo Jornalismo, 2000) Assim, os “novos jornalistas” diziam que tomavam certas liberdades com a ficção mas sempre respeitavam os fatos. Entretanto, como faziam algo como “reportagens psicológicas”, ousavam até transcrever o “pensamento” das pessoas que entrevistavam. O próprio Talese confessa a utilização deste recurso: “Tento absorver todo o cenário, o diálogo, a atmosfera, a tensão, o drama, o conflito e então escrevo tudo do ponto de vista de quem estou focalizando, revelando inclusive, sempre que possível, o que os indivíduos pensam no momento que descrevo”. (Talese em Novo Jornalismo, 2000)

É que a polêmica ganha fôlego. O jornalista Haynes Johnson afirma que quando os “novos jornalistas” inventam personagens e chegam a descrever o que seus entrevistados pensam, eles não estão exercendo o papel de jornalistas, mas de Deus. “Ninguém pode inventar citações e personagens e dizer que isso é jornalismo. É uma coisa diferente e deveria ser catalogada diferentemente.” (Johnson em Novo Jornalismo, 2000)

Morales (2000), por sua vez, sustenta que o new journalism é um gênero literário, e não jornalístico. “É mais inventivo que descritivo e Wolfe o considera um sucedâneo da novela, não da notícia.” para Piza (2000), o movimento foi uma experiência interessante, mas que “se excedeu em literatices”. O maior defeito do “novo jornalismo”, portanto, foi avançar o limite da aceitação da literatura no jornalismo: seus praticantes não se limitaram apenas à adoção de alguns recursos estéticos desta, mas sucumbiram à tentação de empregar também, no texto de jornal, recursos que somente a literatura ficcional comportaria, como o narrador onisciente ou o personagem síntese, elementos que não coadunam com a realidade e, portanto, não podem ser considerados jornalísticos.

Mas, por outro lado, há muito preconceito nas redações com o new journalism, fruto da visão limitada de literatura que se tem entre os jornalistas. O movimento também foi muito deturpado e empregado em situações nas quais os resultados não eram dos melhores. Segundo Dulclós (2000), “o problema é que a mediocridade no poder usa recursos do new journalism para fazer jornalismo ruim hoje.”

O movimento começou a perder importância primeiro com a fama alcançada pelo jornalismo investigativo, especialmente após o Caso Watergate, e depois com Janet Cook, quando ela perdeu o Prêmio Pulitzer ao se descobrir que a personagem de sua reportagem (cuja narrativa usava recursos do new journalism) havia sido forjada. (Morales, 2000) Além disso, de acordo com Wolfe (em Mewborn, 1988), o que provocou a decadência do movimento foi o excesso de padrões na narrativa jornalística, quesempre faz com que os autores, principalmente os mais jovens, se mostrem excessivamente constrangidos”. Algumas características do movimento ainda permanecem em revistas como as americanas Rolling Stones e Esquire.

O grande mérito da escola foi explicitar a presença do sujeito na narrativa jornalística, com todas as conseqüências que isso implica: ponto de vista, subjetividade, crise do mito da referencialidade pura a que o discurso midiático buscava em meados do século 20. O “new journalism” deixou explícitos tais elementos, ao “radicalizar” a linguagem jornalística ao ponto de fazê-la beirar a literatura ficcional.


NOTAS

(*) Jornalista mestrando em teoria literária na Unesp (Universidade Estadual Paulista) em São José do Rio Preto (SP)

(1) Dentre tais tentativas, poderíamos citar o feuilleton e o chamado jornalismo de autor. O primeiro é uma mistura de ensaio com reportagem jornalística empregada pelos europeus no início do século 20. Para Hohenberg, esta técnica “ignora o ponto, igualmente importante, de que o leitor deve ser informado sobre o que aconteceu, antes de ser mimoseado com um encantador ensaio comentando os fatos”. (197?, p. 171) o segundo refere-se a uma forma híbrida de informações investigadas e certas liberdades interpretativas, trazendo a marca pessoal do autor da matéria.

(2) A origem do new journalism é bastante polêmica e inexata. Enquanto alguns afirmam que foi Truman Capote quem inaugurou o gênero, outros dizem que foi Gay Talese o inventor da “escola”, ao publicar, em 1960, uma série de reportagens na revista Esquire intitulada “Nova York: a jornada de um serindipitoso”, depois reunida no livro Aos olhos da multidão. Por sua vez, Tom Wolfe diz que, na verdade, quem criou o novo jornalismo foi Peter Hamill, ao produzir um artigo sobre Gay Talese, Jimmy Breslin e outros na revista Nugget, em 1965.


REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
 

DULCLÓS, Nei. Jornalismo e Literatura. Londrina, 2000. Entrevista via e-mail concedida a Allan de Abreu em setembro de 2000. 

MARTINS, Luis. A informação serve-se fria? Consultado na INTERNET em 16 de agosto de 2000. http://www.freipedro.pt/tb/290597/cult2.htm

MEDINA, Cremilda de Araújo & LEANDRO, Paulo Roberto. A arte de tecer o presente. São Paulo: Média, 1973. 

MENDES, João Maria R. Mudança vigiada do discurso na imprensa. Consultado na INTERNET em 29 de agosto de 2000. http://www.cecl.pt/rcl/01/rcl01-05.html

MEWBORN, Brant. Tom Wolfe. O Estado de São Paulo, São Paulo, 14 fev. 1988. Caderno 2, p. 7-8.

MORALES, Carlos. Diferencias entre periodismo y novelística. Consultado na INTERNET em 16 de agosto de 2000. http://www.comunica.org/chasqui/morales65.htm

NOVO JORNALISMO. Instituto Gutemberg n. 20, jan./fev. 1998. Consultado na INTERNET, em 20 de setembro de 2000. http://www.igutemberg.org/newjorna.html

PIZA, Daniel. Jornalismo e Literatura. Londrina, 2000. Entrevista via e-mail concedida a Allan de Abreu em setembro de 2000.

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